A I Wanna Be Tour foi a proposta perfeita para todos aqueles que, de vez em quando, curtem um mergulho profundo na nostalgia. No palco subiram apenas bandas que marcaram gerações de aficionados pela sonoridade pop punk e rock, e foram honrados todos que não só viveram essa fase, mas a transformaram num estilo de vida.
A banda escolhida para inaugurar o longo dia de festival foi a Fresno, queridíssima do público brasileiro, e fez até parecer injusta essa escolha de horário. No entanto, isso não impediu que a banda fizesse um dos melhores shows do festival. O vocalista Lucas Silveira, sempre à frente da defesa do movimento emo do Brasil, deu um lindo show de presente ao público carioca presente, que ele carinhosamente chamou de Emos Tropicais. O show já começou com uma dose forte de hits do emo nacional assinados pela banda, como “Quebre as Correntes” e “Redenção”, além das favoritas dos fãs “Porto Alegre” e “Diga, pt 2”, que jamais poderiam ficar de fora da setlist. A versatilidade e inovação sonora da banda é algo de se admirar. Mesmo sendo os principais expoentes do rock no Brasil, a pesquisa de produção musical se expande bastante, e a Fresno não tem medo de experimentar novos sons, como é possível observar em seus dois últimos álbuns, representados no show por “Cada acidente” e “Já Faz Tanto Tempo”.
A setlist contou com o novo single da banda “Eu Nunca Fui Embora”, cantado pelos fãs a plenos pulmões na mesma intensidade e emoção dos hits antigos. A apresentação foi acompanhada de uma linda surpresa da plateia, que encheu balões estampados com a capa do single. O single antecipa o próximo álbum, a ser lançado no dia 5 de abril. O valor único e especial da Fresno mora no fato de que, mesmo com todos esses anos, a banda segue relevante, tanto em suas produções e lançamentos quanto no cotidiano de sua legião de fãs, que segue constantemente ganhando novos membros. Sempre no desejo de mostrar a força do emo no Brasil, a banda convidou ao palco um integrante do Plain White T’s para cantar “Casa Assombrada”, fechando o show com o público em êxtase.
As migrações de palco eram quase imediatas, e o Plain White T’s já logo se instalou no palco ao lado. A banda parecia estar em casa no Brasil, essa sensação foi visível desde o momento no palco da Fresno até as simpáticas interações com o público. O vocalista até vestiu uma camisa do Flamengo! Apesar do grande hit ter uma pegada acústica, a banda apresenta certa versatilidade sonora, e não teve medo de apresentar o novo repertório ao público, tendo sido muito bem recebido em “Would You Even” e “Young Tonight”, também mostrando o porquê de estar compondo o lineup junto a tantas outras bandas de rock. O momento mais belo foi certamente em Hey There Delilah, com o público cantando em uníssono e ainda com uma participação especial de Day Limns. Certamente uma primeira vez inesquecível no Brasil!
Aparentemente, o Brasil passa uma energia acolhedora para os gringos, já que o vocalista do Mayday Parade chegou ao palco descalço totalmente à vontade, e os outros membros da banda carregaram uma bandeira nacional em sua entrada. A escolha de “Oh Well, Oh Well” como abertura não cansa de se provar um acerto, levando o público a uma imediata viagem no tempo. Mesmo 12 anos após a última passagem por aqui, o público se manteve fiel, indo à loucura nas clássicas “Anywhere But Here” e “I’d Hate To Be You When People Find Out What This Song Is About”. Definitivamente passamos uma boa impressão! As atrações nacionais foram motivo de muito orgulho.
Pitty entrou no palco quebrando tudo ao som de “Teto de Vidro” e seguiu levando o público à loucura com os hits “Máscara” e “Equalize” do álbum Admirável Chip Novo, que completou 20 anos ano passado e segue vivíssimo nos corações rockeiros do Brasil. Muito se manteve da setlist da turnê ACNXX que rodou o Brasil, mas a própria disse que cada uma teria uma coisinha diferente. O público carioca ganhou de surpresa a adição hardcore das antigas “Seu Mestre Mandou”, uma excelente oportunidade para o bate cabeça e a formação de rodinhas. Seu repertório tem de tudo um pouco, até momentos para se emocionar proporcionados pela performance de “Na Sua Estante”. Pitty nunca brinca em serviço e honrou o desafio de ser a única mulher compondo o lineup do festival. A cantora fez um discurso importantíssimo sobre o peso disso, além de mencionar a banda Bikini Kill, que esteve em São Paulo na última semana. A vocalista Kathleen Hanna foi uma das líderes do movimento que lutava pela participação de mulheres nas cenas de punk e hardcore dos anos 90, fazendo com que meninas tivessem consciência de seu direito e poder de subir no palco e tocar seus instrumentos. Foi nessa onda que Pitty chamou diversas mulheres do público para o palco e a acompanharem na apresentação de “Me Adora”. Que essa iniciativa seja cada vez mais encorajada e que possamos ver cada vez mais mulheres na música, seja na plateia ou nos palcos.
Esse show maravilhoso foi seguido da entrada de Boys Like Girls, em que o vocalista teve uma marcante presença de palco e reconheceu seu próprio esforço de estar lá mesmo estando de braço quebrado! As escolhas para setlist como “Love Drunk” e “Five Minutes to Midnight” trouxeram muita nostalgia, mas a banda não deixou de cantar seu último single “Blood and Sugar”. Um de seus maiores hits “Two is Better Than One” conta com um feat. com a Taylor Swift, que virou motivo de piada, pois ela jamais apareceria para cantar junto hoje em dia. Não teria outra opção para encerramento do show que não fosse “The Great Escape”, grande hino emo que ao vivo foi catártica.
A atração seguinte foi o Asking Alexandria, com uma presença em peso de seus fãs que estavam espalhados pelo festival com camisa da banda. Dentre todas as atrações do festival, essa era a mais próxima do hardcore, com bastante screamo, bate cabeça e rodinhas punk em todo o gramado. Mesmo assim, a banda ainda abriu espaço para canções acústicas tocadas em estilo voz e violão, mostrando ser para todos os gostos. A presença em peso mostrou sua força em músicas como “Dark Void”, e em “The Final Episode” era possível ouvir gritos uníssonos acompanhando a bateria em ritmo eletrizante. Seus fãs definitivamente tiveram um grande momento de suas vidas.
Indo para o outro lado, encontrávamos a banda The Used, juntos há 24 anos na cena emo e acumulando hits ao longo desse tempo. Inauguraram o palco com “Pretty Handsome Awkward” e era literalmente possível sentir o chão tremer. A banda resolveu presentear os fãs com uma apresentação surpresa de “Blue and Yellow”, tocada pela primeira vez na IWBT, fazendo os fãs cariocas se sentirem especiais. Bastante carismático e brincalhão com os fãs, o vocalista pediu para que a plateia vaiasse a banda depois de toda música. Seu pedido foi uma ordem, mas com certeza o instinto de todos ali era aplaudir e ovacionar, especialmente com a sequência excepcional de “Buried Myself Alive”, “The Taste of Ink” e “A Box Full of Sharp Objects” ao final.
Conforme o sol ia se pondo, o All Time Low tomou conta do palco, iniciando seu show numa sequência de tesouros antigos como “Lost in Stereo” e “Six Feet Under The Stars” que deixaram todos alucinados. A escolha de explorar os últimos lançamentos deixou os fãs sedentos por mais músicas da velha guarda, mas o público não perdeu a pilha em nenhum momento, e a banda ainda deu uma palhinha de “Stella”, uma fan favorite, num leve mashup com a mais recente “Modern Love”. Os cariocas mais uma vez foram presenteados, dessa vez a partir da demanda popular pelo Instagram, com uma apresentação acústica de “Remembering Sunday” acompanhada de um coro emocionante do público. Nada é capaz de explicar a sensação indescritível de ouvir “Weightless” ao vivo, trilha sonora da adolescência de tantos presentes ali, e ainda fechar com “Dear Maria, Count Me In”. A banda falou sobre a Cidade Maravilhosa ter proporcionado seu melhor show em meses, e deixaram evidente o porquê de terem sempre sido uma das mais populares no nicho do pop punk.
Com uma iluminação diferenciada e bastante fumaça no palco, foi vez do All American Rejects, pela primeira vez no Brasil. Os integrantes estavam numa agitação enorme, houve quem tivesse achado doido, mas transmitiram toda essa energia pro público. Não teve quem tivesse parado no hit “Dirty Little Secret”, anunciada numa tradução ao pé da letra em que o vocalista perguntou “vocês estão se sentindo sujos?” (mal sabe ele!). O vocalista seguiu arriscando no português em suas interações com o público, e aparentemente o encanto foi tanto que criaram uma musiquinha chamada “Rio The Sexy Motherfuckers You Are”, criada na hora e cantada na companhia da própria plateia. Os hits mais aguardados “Move Along” e “Gives You Hell” fecharam o show lindamente, e a banda se despediu dizendo que uma parte deles sempre ficaria aqui.
Agora, faltam palavras para o show da NX Zero. Até o Di Ferrero parou pra chorar de tão emocionante que estava a plateia completamente imersa na nostalgia que os hits da banda proporcionam. Alucinação completa do público com todos aqueles hits enraizados na mente e no coração. A entrada no palco foi com “Além de Mim”, e depois foi seguindo uma sequência inacreditável de músicas marcantes. Ouvir “Onde Estiver” e “Cedo ou Tarde” ao vivo não tem preço, e rolou até pedido de casamento em “Cartas Pra Você”. Claro que há destaques como “Só Rezo” e “Daqui pra Frente”, mas o público não parou de cantar nem por um segundo. A saída triunfal se deu ao som de “Razões e Emoções”, um marco na vida de toda uma geração de brasileiros. Esse é um show que mostra o poder da música e da nostalgia sobre nós!
A entrada do A Day To Remember no palco teve confetes e serpentina na plateia ao som de “The Downfall of Us All”. Eles tinham a missão de manter o público no ritmo enérgico pós NX, e triunfaram numa quantidade louca de rodinhas espalhadas que acompanhavam o ritmo frenético da presença de palco. Nada como chorar ao vivo com “Have Faith in Me”, e em “Rescue Me” tivemos um crowdsurfing inédito com um fã de cadeira de rodas sendo levantado até a grade na melhor visão possível. O show seguiu mesmo debaixo de uma chuva forte, o que acidentalmente acabou tornando a performance da tão aguardada “If It Means a Lot to You” ainda mais emocionante.
O festival foi interrompido por alguns minutos por questões de segurança e ninguém mais estava acreditando quando o Simple Plan entrou no palco ao som de “I’d do Anything”, com bastante atraso pela orientação da tempestade e já numa chuva fraca. Quem ficou, acabou ganhando um merecido show fantástico de uma banda com um carisma inigualável. Suas músicas marcaram toda uma geração nos mais variados momentos, e os presentes puderam ouvir “Jetlag”, “Welcome to my Life” e “Summer Paradise”. Os integrantes nunca esconderam seu amor pelo Brasil, e com isso até rolou cover de Mamonas Assassinas. Ainda brincando bastante com o público, o palco se encheu de fãs vestidos de Scooby Doo na música tema. Pelo tempo encurtado de show, a banda fez um grande medley com a metade final do show, depois tocando “I’m Just a Kid” e “Perfect” para encerrar, fechando o dia longo de festival de forma inesperada, mas ainda com chave de ouro.
Quanto ao festival em si, a disposição dos palcos estava ótima, era possível ver bem de qualquer lugar, até mesmo do fim da pista comum. Infelizmente, a experiência foi atrapalhada por questões climáticas, essas já previstas pela meteorologia. A estética emo não combina com calor, mas mesmo assim o público estava todo de preto numa temperatura bem quente e com forte exposição ao sol. As nuvens foram chegando ao longo da tarde, antecipando momentos ainda piores do que o calor. O final do show do A Day To Remember contou com um temporal com fortes ventanias, chuvas e raios. No intervalo de shows, a produção subiu ao palco para comunicar um adiamento do show do Simple Plan, porém sem qualquer orientação de proteção no local, que era inteiramente a céu aberto.
O show teve início somente quando de fato a tempestade passou, mas tendo o infeliz e lamentável custo de uma vida. João Vinícius Ferreira Simões, de 25 anos, veio a óbito sendo eletrocutado ao encostar em um caminhão de food truck energizado pelas descargas elétricas. Receber notícias como essa deixa um gosto agridoce em nossos sentimentos. Fica a felicidade por ter vivido momentos especiais e a realização de sonhos, no caso da I Wanna Be cultivados durante anos desde a adolescência. Por outro lado, o pesar pelo falecimento de um dos nossos, que assim como nós só queria desfrutar da magia da música ao vivo.
Não dá mais para fechar os olhos para descaso de grandes produtoras com a segurança do público de festivais visando apenas aquilo que é mais lucrativo. Nossos sonhos e vidas estão nessas mãos, e temos o direito de exigir plenas condições para aproveitar momentos de lazer e êxtase sem quaisquer preocupações, afinal, uma das principais características da experiência da música ao vivo é servir de refúgio dos males da vida real, sendo por algumas horas uma fonte extraordinária de energia e felicidade extrema.