Depois de 4 anos longe dos palcos, O Terno retorna à lendária lona do Circo Voador no Rio de Janeiro, para sua turnê de despedida do álbum <atrás/além>. A banda, composta por Tim Bernardes (voz, guitarra e piano), Guilherme d’Almeida (baixo) e Gabriel Basile (bateria), também contou com um grupo luxuosíssimo de músicos de sopro para a apresentação. O futuro da banda está indefinido e nebuloso, em meio aos projetos de carreira solo dos integrantes e o desejo de não ter planos. Diante desse cenário de incertezas, os membros decidiram relembrar e celebrar toda sua história numa noite como essa, no melhor lugar para se tocar no Brasil (nas palavras dos próprios!).
O momento de entrada ao palco foi completamente mágico. Embora sem lançamentos há 5 anos, sua legião de fãs nunca deixou de crescer, e muitos dos que estavam presentes estavam vivenciando aquela magia pela primeira vez. A combinação de saudade e novidade foi revertida numa energia surreal e calorosa vinda do público na emenda das duas primeiras músicas “Atrás / Além” e “Tudo Que Eu Não Fiz”.
As composições d’O Terno muito falam sobre sentimentos e angústias comuns à juventude, que não deixaram de fazer sentido mesmo tantos anos depois. Muito pelo contrário, é como se todas as letras se encaixassem ainda mais na fase da vida de cada um que estava ali, inclusive dos próprios compositores. É impossível ser um jovem anos 10 (agora anos 20) e não se identificar com “Pegando Leve”, então nada como cantá-la a plenos pulmões ao lado de quem também sente tudo aquilo.
A setlist, composta por aproximadamente 30 músicas, apresentou os álbuns “<atrás/além>” e “Melhor Do Que Parece” em quase toda sua integridade, então foi vez da sequência “A História Mais Velha do Mundo”, “Não Espero Mais” e “Nó”, terminando com Tim se sentando ao piano pela primeira vez na noite. A sessão melancólica prosseguiu, trazendo também performances de “Depois Que a Dor Passar” e “O Bilhete”, canções que consolidam Tim Bernardes como um dos melhores compositores da nossa geração.
O ritmo acústico foi se dissipando com “Deixa Fugir” de forma que agradou os fãs, principalmente os amantes da era Melhor do Que Parece, muito bem contemplada nessa noite. Puxando mais os traços de rock, Tim esbanjou seu talento como guitarrista em “Lua Cheia” – uma das apresentações mais hipnotizantes, que contou com uma iluminação excepcional para elevar a atmosfera do momento. A banda fez a escolha de emendar com “O Orgulho e O Perdão”, também do mesmo álbum, com o próprio trombonista da gravação Douglas Antunes, que entregou um solo espetacular e inesquecível.
Por um tempo, só os três ficaram no palco para entregar apresentações magníficas de “Pra Sempre Será”, com palmas fofas no refrão romântico, e “Eu Vou”, em que Tim brincou com suas habilidades vocais fora da curva e deixou todos de queixo caído. Foi então a vez dos pedais brilharem na piração e psicodelia absoluta de “O Cinza”, marco inesquecível da noite e de dar arrepios só de lembrar. A atmosfera mudou um pouco com luzes coloridinhas para a entrega do hit “Volta e Meia”, que proporcionou uma sintonia deliciosa entre a banda e o público, além dos gritos ao fim aclamando Tim, Gui e Biel.
A banda decidiu homenagear seu álbum autointitulado, apelidado carinhosamente de “disco da casinha”, que está completando 10 anos em 2024. Um dos maiores hits da carreira “Ai Ai, Como Eu Me Iludo” também foi destaque, e oportunidade para uma interação super espontânea da banda. Tim estava supostamente esperando que soltassem fogos em dado momento da música e confessou sua frustração ali em cima. Em momento charmoso e (quase) apelativo, alegou até estar sem clima para continuar depois da quebra de expectativa, mas dois segundos depois os três quebraram tudo com a ponte estrondosa desse hit.
A banda quis ouvir a voz do povo numa pequena decisão da setlist, entre “Vamos Assumir” e “Bote Ao Contrário”, sendo a segunda a campeã e deixando seguir a temática do disco aniversariante. O bloco da casinha então se fechou com uma emocionante apresentação ao piano de “Eu Vou Ter Saudades”. Mesmo assim, a travessia do show seguiu pelo túnel do tempo, quando a banda trouxe “Morto” ao palco; faixa presente em seu primeiro álbum, e evidentemente muito querida pelos fãs.
O show já ia se encaminhando para o final quando a banda selecionou uma sequência de fortes favoritas. “Culpa” e “Bielzinho / Bielzinho” tiveram suas performances embelezadas pelas palminhas do público. Após esta última, que carrega o nome do baterista, cada membro da banda foi ovacionado nominalmente. Peixera é de fato o rei do baixo, e como Bielzinho toca bonito! Nada preparou o público emocionalmente para escutar “Volta” ao vivo, indiscutivelmente a canção mais linda de toda a discografia, que certamente embrulhou momentos especiais da vida dos fãs, e felizmente teve sua beleza e delicadeza honrada ao vivo.
O clima de despedida levou a uma pausa para agradecimentos e reflexões sobre o simbolismo de estar naquele palco, naquele presente momento, capturado perfeitamente pela canção “Passado / Futuro”. Antes de se retirar, a banda entregou uma performance grandiosa de “Melhor do que Parece” – uma escolha perfeita de encerramento, com toda a dramaticidade da repetição do trecho que é quase um mantra: “tudo está melhor do que parece / eu olho e vejo tudo errado / faz tempo que está tudo certo”.
Para o bis, a banda preparou um cover fascinante de “Um Sonhador”, de Leandro e Leonardo, daqueles que ninguém sabia que precisava até de fato acontecer. Por fim, na última oportunidade de reverenciar a trajetória completa da banda, foi a vez de “66”, de seu primeiro álbum, de quando eles eram somente uma promessa do futuro do rock brasileiro. Depois de anos fazendo tudo que quiseram na mistura do resgate da nostalgia e da inovação, O Terno conseguiu o triunfo de um repertório lindo, devidamente honrado nessa noite especial no Circo Voador.